Sabia que já existia jogo de tabuleiro “blockbuster” na Antiguidade?
Existe uma teoria que diz que jogar é parte fundamental de ser humano. Somos uma das pouquíssimas espécies que dedicam tempo para atividades lúdicas, sem propósitos óbvios para a sobrevivência ou a reprodução. E gostamos – bastante! – de investir tempo em jogar!
Talvez você acredite que jogar seja uma atividade moderna, ou de pessoas com bastante tempo em mãos. Mas, na verdade, os jogos podem ser tão antigos quanto a humanidade. Evidências é que não faltam de que até mesmo os mais antigos povos – gente que não tinha casa e que vivia de maneira nômade pelo mundo – já se entretiam com tipos ancestrais de jogos de tabuleiro.
E olha que não era fácil brincar naquela época! Imagine jogar com “tabuleiro” e pecinhas esculpidos em pedra!
Estas primeiras tentativas de construir jogos foram identificadas em tumbas de faraós egípcios e em inúmeros sítios arqueológicos ao redor do mundo. Um dos jogos mais populares da Antiguidade – e que recentemente teve novas evidências desenterradas – data de mais de 4 mil anos. Interessantemente, esse jogo – chamado de “58 Buracos” – parece ter sido super difundido pelo Oriente Médio, entre os mais diferentes povos, chegando até mesmo à região do Mediterrâneo europeu. Mas o que o tornava tão atraente naquela época?
Os jogos são muito mais do que mera diversão. Estudos apontam que jogar é uma maneira incrível de ativar o cérebro e treinar processos como resolução de problemas, pensamento crítico, planejamento, empatia e interação social. Ou seja, eles nos ajudam a nos tornarmos melhores – pode parecer pomposo, mas é verdade. E isso pode ter sido fundamental para os povos antigos se entenderem melhor uns com os outros.Na falta do Google Tradutor, nada como uma boa partidinha para unir povos diferentes!
58 BURACOS – UM BLOCKBUSTER DA ANTIGUIDADE
De leste a oeste, 58 buracos por todo lado!
Recentemente, novas evidências de que o jogo 58 Buracos que mencionamos acima era um tremendo sucesso foram descobertas em uma caverna no Azerbaijão.
Arqueólogos do American Museum of Natural History de Nova York identificaram evidências do jogo em um sítio (o Parque Nacional Gobustan) de mais de 4 mil anos. Nessa época, o Azerbaijão era dominado por povos nômades e cuidadores de pequenos rebanhos de gado.

58 Buracos, em versão Egípcia. Fonte das imagens: Musée du Louvre
O 58 Buracos foi inicialmente descoberto em 1890, na tumba do faraó Amenemhat IV, que viveu no século 18 antes de Cristo. A descoberta no Azerbaijão, portanto, é ainda mais antiga. Ela ajuda a mostrar como o jogo foi difundido pelo Oriente Médio, já tendo sido encontrado nas regiões que representavam Egito, Mesopotâmia e Anatólia na época.
“De repente [o jogo] aparece em todos os lugares, ao mesmo tempo”, afirmou em comunicado à imprensa o arqueólogo Walter Crist, responsável pela descoberta no Azerbaijão. “No momento, o mais antigo identificado é do Egito, mas não por muitos anos. Então, é muito provável que não tenhamos ainda encontrado outra versão ainda mais antiga, em outro lugar. [O jogo] parece ter se expandido de maneira muito rápida”, comenta.
Atualmente, cerca de 70 “tabuleiros” de 58 Buracos foram identificados em sítios arqueológicos ao redor do mundo, em locais como Iraque, Irã, Síria, Israel, Turquia e Egito.

Ao longo dos séculos, o popular jogo ganhou contornos “gourmet”, passando de simples tábuas de pedra a tabuleiros delicados e complexos, como este encontrado no Egito e datado de aprox. 1800 a.C. Imagem: The Metropolitan Museum of Art, New York – 26.7.128.
COMO ERA JOGADO O 58 BURACOS?
Diversão do arco da velha
Ninguém sabe ao certo quais eram as regras do 58 Buracos. Se já é difícil esculpir em pedra o tabuleiro do jogo, imagine então esculpir um manual de instruções! O que se sabe, com certeza, é que era um sucesso: apenas pelas evidências já encontradas, sabe-se que foi amplamente jogado no Oriente Médio por pelo menos mil e quinhentos anos.
O formato do tabuleiro ajuda a imaginar como que o jogo funcionava. Trouxemos uma imagem do sítio arqueológico do Azerbaijão para ilustrar:
Quase todas as versões do 58 Buracos encontradas foram esculpidas da mesma maneira: duas fileiras centrais de buracos rodeadas por uma zona de outros buracos. É interessante notar que, nessa zona circular, os buracos múltiplos de 5 – isto é, o 5º, o 10º, o 15º e o 20º buracos – são maiores que os demais, o que mostra claramente que havia regras conhecidas para as partidas. Além disso, sempre há um buraco ainda maior que os outros. Os pesquisadores acreditam que ele era o “ponto final” do jogo – o objetivo a ser alcançado.
Começamos o parágrafo anterior com “Quase todas as versões” porque, como é fácil imaginar, um jogo que durou mais de um milênio com certeza sofreu alterações! Especialmente as versões encontradas no Egito mostram algumas variações reveladoras. De acordo com o website do Museu do Louvre, certas versões de 58 Buracos possuem gravuras no interior de alguns dos buracos; outros são conectados entre si. Acredita-se que isso representava “fases” ao longo do jogo ou seções que os participantes tinham que superar até passar para um próximo estágio, assim como “atalhos” para chegar ao final mais rápido.
Segundo o Louvre, o 58 Buracos também pode ter sido utilizado em rituais religiosos, como uma ferramenta de adivinhação dos desejos dos deuses! Isso ajudaria a explicar o motivo de ele ser encontrado nas tumbas dos faraós.
A teoria mais aceita atualmente é a de que o 58 Buracos era jogado assim: dois jogadores colocavam uma pecinha no primeiro buraco das fileiras centrais, aquele mais próximo do buraco “grande”. Daí, jogavam “dados” para avançar as casas – completava-se a fileira central e entrava-se na zona circular, que culminava no círculo maior.
Apesar de “dados” nunca terem sido encontrados, escavações identificaram pecinhas com formato de animais esculpidas em bronze, ouro, prata e marfim.
Será que há 4 mil anos o pessoal já tinha inventado uma espécie de dado para regular o movimento dos jogadores pelas casas? Será que utilizavam outro tipo de instrumento para isso – pedras marcadas, gravetos? Talvez nunca saibamos. Mas há uma certeza muito legal por trás desse mistério: o 58 Buracos certamente foi uma maneira divertidíssima de aproximar as pessoas – assim como os jogos de tabuleiro são hoje em dia!
UM JEITO INTELIGENTE – E DIVERTIDO! – DE INTERAGIR
Um jogo sempre é mais que um jogo
“As pessoas usavam os jogos para interagir umas com as outras”, explica Crist. “[Os jogos] eram algo único entre os humanos, um tipo de abstração – mover pedras entre casas marcadas no chão não tem um efeito real no seu cotidiano, exceto pelo fato de que ajuda a interagir com outras pessoas”, diz o arqueólogo.
“Assim, os jogos são ferramentas de interação, um tipo de linguagem – uma maneira compartilhada de ser capaz de interagir com gente de fora de seu círculo familiar ou cultural”, afirmou o explorador.
Pois nossa dica é seguir essa lição deixada pelos antigos: é preciso jogar mais – isso faz parte da vida! Vamos aproveitar esse traço tão característico da espécie humana e fortalecer laços, aprender a interagir melhor com os outros e, é claro, nos divertir mais! Afinal, estamos fazendo isso há pelo menos 4 mil anos, e não é agora que vamos parar… 🙂